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Afinal onde se come o melhor caracol?

“Mas que nojo, como é que vocês conseguem?!”, exclamei eu entre um misto de curiosidade e náusea, num rasgo de pesquisa social para tentar perceber o que via à minha frente.

Prova que vais ver que gostas!”, diziam elas enquanto se deliciavam com aquilo.

“Parece que estão vivos!”, dizia eu enquanto pegava num e o inspecionava tal cientista numa investigação minuciosa.

“Não podes dizer que não gostas antes de provar!”, “eh pá mas na minha terra isto não se come!”, “não sejas mariquinhas e prova!”.

E lá me encontrei, encarando de frente o bicho como um toureiro enfrenta o touro numa pega, só que aqui os cornos eram outros e o tamanho do animal era bem menor, mas a coragem necessária para abrir a boca e sorver o dito era proporcional à do forcado, certo que os riscos de morte eram menores, mas a bravura necessária para experimentar este “petisco”, era herculana, pelo menos para mim.

O meu cérebro era, naquele momento, uma arena de disputa entre a vontade de provar aquilo que levava as minhas amigas a lamberem os dedos, e a repulsa.

“Não sejas fraquinha, tu consegues miúda, afinal, se elas estão ali todas lambuzadas é porque isto não deve ser assim tão nojento, anda lá, não dês parte fraca, fecha os olhos e come!”. Foi o que fiz. Segurei-lhe na carapaça e, estoicamente, servi-me do palito e arranquei o caracol para fora da sua concha! Confesso que não voltei a olhar, sabia que o corpo desnudo do desgraçado me iria causar repulsa e demover-me daquela empreitada. Acho que engoli de uma só vez.

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O sabor a orégãos sobrepunha-se aos restantes ingredientes e, para meu espanto, o meu palato bateu palminhas de contente e percebi o porquê do alarido lá em casa quando a Branca trouxe a panela com os caracóis, “especialidade da nossa casa em Castelo Branco!”.

Aqueles caracóis eram, de facto, deliciosos!

O molho e a textura do petisco pediam o acompanhamento de uma boa broa, e cá pela Guarda a broa é bem boa e casa na perfeição com um belo prato de caracóis!

Foi desde essa tarde de junho, por entre os livros e os apontamentos do exames, que deram, a esta Minhota, a conhecer um dos mais afamados petiscos dos tascos desta região, o caracol! E rendida fiquei.

2004 ano de Europeu!

Estávamos nos idos anos de 2004, Portugal recebia o Campeonato Europeu de Futebol e, como bons adeptos, e como bons estudantes com pouco dinheiro que éramos, lá nos juntávamos onde a garantia de bons momentos em frente à televisão, com a certeza que nos iriam servir bons petiscos a preço de amigo. Foi por esses dias que começamos a percorrer alguns dos tascos do centro da cidade, um por jogo, porque essa era a nossa certeza de vitória na certa e nestas coisas da sorte e do azar é melhor não arriscar, daí que a cada jogo íamos variando a bancada. A cada partida pedíamos um prato de moelas, um de pica-pau e uma dose de caracóis. E assim fui provando, nas tascas que serviam, os diferentes sabores que o caracol pode ter, por bandas da cidade mais alta, entre gritos de euforia e vitória.

Durante o Euro 2004 dois locais, na minha humilde opinião, venceram a competição do melhor caracol da Guarda: o Café A Dorna e o São Pedro.

Na Dorna o sabor do cominho (do qual sou super fã), acompanha a textura do caracol na perfeição e quando passamos o pão pelo molho, o resultado final é fabuloso.

No São Pedro os orégãos são a companhia perfeita do caracol, e quando quente, o molho que os acompanha é tão maravilhoso que mesmo quando os dedos queimam, não podemos deixar de sorver o caracol da sua casca numa harmonia perfeita com o seu molho, e não há cá vergonha nem pelo barulho nem pela nódoa certa na camisola.

Não vos sei dizer qual é o meu favorito, os dois estão no mesmo patamar o que, na minha perspectiva, é uma vantagem, assim, quando um sitio está cheio ou fechado, posso sempre ir ao outro sabendo, de antemão, que me vou deliciar à mesma.

Ao longo destes anos fui provando as especialidades no que toca ao caracol, noutras casas desta cidade, umas melhores que outras, mas confesso que os caracóis da Dorna e do São Pedro são os meus eleitos, e se acompanhados de um bom punhado de amigos, dois dedos de conversa e uma cerveja gelada, para mim é a perfeição.

Voltando atrás na minha história, carrego em mim a culpa da derrota da equipa das quinas frente à Grécia, tanto no início da competição, como no final da mesma. Na primeira não fui ao tasco e vi o jogo em casa. Na segunda, arriscamos a sorte, dispensámos os caracóis e juntamo-nos com mais pessoas para ver o jogo num dos palcos da cidade, acabámos por perder a final. Aprendi a minha lição. Não há europeus ou mundiais sem caracóis no prato!

Fotografia: Food With Meaning

Tânia Fernandes (ferrenha adepta do caracol)