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Quando o Minho encontra as Beiras

 

Se houvesse uma batalha entre o Minho e as Beiras para escolher qual o melhor, quem venceria?

 

Nascida e criada no Minho. Filha de pessoas nascidas e criadas no Minho. Sou daquelas Minhotas que se enche de orgulho das suas origens.

Há um texto do Miguel Esteves Cardoso que retrata as mulheres do norte falando da sua genuinidade e tempero de extremos, dizendo que as mulheres do Minho “têm o ar de quem pertence a si própria. Andam de mãos nas ancas. Olham de frente. Pensam em tudo e dizem tudo o que pensam. Confiam, mas não dão confiança.”

O ano de 2016 marca 15 anos de vivências desta minhota em terras altas de Portugal e lembro-me, perfeitamente, do primeiro dia em que a Guarda me acolheu, como estudante, sozinha do seu mundo de onde nunca tinha saído.

Olho para trás e sei que podia ter sido diferente. Podia não ter gostado das pessoas, que são diferentes dos Minhotos. Podia não me ter adaptado ao longo inverno da serra. Podia ter sentido uma extrema falta do cheiro a eucalipto do Minho, ou da agitação do Vale do Ave. Mas não. As Beiras roubaram-me o coração e soube, desde cedo, que a minha passagem por estas terras não seria de apenas 5 anos.

Ao final destes 15 anos posso fazer um paralelo entre as Beiras e o Minho e perceber como é que um Minhoto, orgulhoso das suas origens, como é tão típico nosso, se rende à serenidade e recato das Beiras.

guimaraes

Palácio dos Duques, Guimarães

O Minho é barulhento, autentico, não tem “papas na língua”, é cheio de vida e tempestade, de um verde que não tem fim e um perfume que só se nota quando saímos e voltamos.

 

Os Minhotos são afáveis, muito afáveis, metediços e impertinentes. Riem com vontade e falam alto. Abraçam quando lhes apetece, como exigem que não lhes roubem o seu espaço pessoal.

 

São fieis. Muito fieis, a exemplo disso temos os aguerridos adeptos de futebol, que amam o seu clube mesmo que este nunca tenha ganho um campeonato, ou, quem não conhece as rivalidades entre bracarenses e vimaranenses?! Não interessa se aquilo que amamos é o pior na sua área, é nosso e não se fala mais nisso.

No Minho “a galinha do vizinho jamais será melhor que a minha”!

serra manuel ferreira

Vista sobre Folgosinho, Gouveia, Serra da Estrela

Falemos agora das Beiras e do seu tranquilo passar dos dias. O sorriso tímido das pessoas. Os Beirões não são dados a grandes festas, mas acolhem com um calor cativante quem os visita. Não são pessoas que falam com fervor das suas conquistas e dos seus amores, mas sabem do seu valor, exemplo disso é a gastronomia.

 

Os Beirões não gritam ao mundo que os seus enchidos e queijo são os melhores. Colocam-nos na mesa, em grande quantidade, (grande quantidade mesmo) e sentam-se connosco.

 

“Veja lá se gosta, fizemos cá em casa, é simples, é simples” (sabendo, já de antemão, que quem os provar não lhes será indiferente), aguardam que seja dada a primeira dentada, e mesmo perante o ar deliciado do convidado, continuam “é caseiro… simples, nada de especial…” – é uma maravilha! Uma maravilha! – “não diga isso é só um enchido que fizemos aqui por casa… nada de especial”. E depois do repasto, quando já não temos estômago para mais: “vá coma lá mais um bocadinho, não comeu nada!” (esta insistência é muito típica do Beirão, e quanto mais avançada for a idade do anfitrião, mais temos de comer, mesmo que já nos saia queijo pelas orelhas).

Os Beirões gostam daquilo que é deles, sabem muito bem o valor dos seus tesouros, no entanto, ao contrário dos Minhotos, não gritam ao mundo nem os exibem. Guardam-nos e mostram a quem acham que merece.

Desenganem-se aqueles que acham que o seu recato não guarda um guerreiro, afinal são filhos de Viriato.

São humildes (às vezes até demais), mas arregaçam as mangas se alguém se atrever a falar mal do que têm. A Serra da Estrela e a região circundante tem gente pura, portugueses genuínos, tímidos, mas resilientes, é terra de grandes líderes e escritores, o que prova o valor destas gentes de ossos e pele enrijecida pelas suas origens serranas, de orgulho recatado, mas que nem por isso deixa de ser orgulho.

Nas Beiras ,“A galinha da vizinha até pode ser melhor que a minha, mas não te atrevas a falar mal da minha galinha!”

Ao final de 15 anos, de coração roubado pelas Beiras e por um Beirão, percebo o porquê de tantos Minhotos se apaixonarem por estas terras de longos invernos. Percebo porque há tantos conterrâneos a gostarem de cá vir, os Beirões e os Minhotos complementam-se.

 

Os Beirões acalmam a tempestade dos minhotos, enquanto que os minhotos os incentivam a formarem as suas próprias tempestades (porque de vez em quando devemos gritar e falar alto)!

 

Hoje sou mãe de um menino que tem nas suas veias sangue Minhoto e Beirão. Crescerá com o coração cheio destas duas vivências e isso, acredito, é um grande presente do destino!

Voltando à questão do inicio. Numa batalha entre o Minho e as Beiras para escolher qual o melhor, quem venceria? É uma batalha que o meu coração já travou. Quem ganhou? Nenhuma das regiões. Ambas se fundiram, porque ambas se complementam perfeitamente!

 

Tânia Fernandes

Fotografia: Manuel Ferreira